domingo, 3 de janeiro de 2010

Das Canções

" Todo retrato pintado com sentimento é um retrato do artista, não do seu modelo. O modelo é simplesmente o acidente, a oportunidade. Não é a ele que o pintor revela. Quem se revela sobre a tela colorida é o próprio pintor. O motivo por que não irei exibir o quadro é o de ter exposto nele, o segredo da própria alma”.

Assim Basil Hallward descreveu seu quadro ao amigo Lorde Henry no livro de Oscar Wilde, "O Retrato de Doryan Gray". Na ocasião, o mesmo tentava convencer o artista a expor sua obra prima a sociedade inglesa. Como no livro, a semelhança é a mesma quando componho uma canção, há muito de mim nas letras e o modelo pelo qual foi feita a canção é apenas um acidente, uma ocasião. Não menosprezo minha inspiração, afinal sem o tal modelo, a canção não poderia ser escrita, há muito mais ali, existe um artista expondo muito de si nas músicas. No meu repertório existe uma canção para cada parte de minha vida. Cada modelo foi importante para construção da letra e da melodia, mas eles passaram e com o tempo outros modelos vieram e tomaram seu lugar. Quantas e quantas vezes eu não troquei olhar com outros modelos enquanto tocava e cantava as canções. Eu sabia que tal música não foi feita por sua inspiração, eu sabia para quem aquela música foi escrita, mas isso de nada vale e como diz o livro:
“O modelo foi apenas um mero acidente, uma ocasião.”

O que vale é o momento, àquela hora, aquele lugar. Certa vez uma amiga minha, Fernanda, foi ao show da minha banda e ao término da primeira parte do show, uma amiga sua pediu para que escreve-se a letra de uma música minha em um pedaço de papel. Talvez naquele momento tal canção não fizesse parte de mim, mas sim do mundo. É como Fernando Pessoa escreveu certa vez:

"Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos meus versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Passo e fico como o universo."

Certa vez até vi alguém chorar no escuro do teatro. Por outras vezes tal canção me acertava em cheio, pois vivia naquele momento a mesma história da música, mas com outro modelo. E isso é importante, fazer das canções atemporais. Eu sempre soube o real motivo daquelas canções, como e quando ela foi escrita. Mas o que valia era aquele momento e aquela canção, e naquele momento, aquela canção passava a ser sua também.

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